Brasileiros prioriza o consumo e não polpa para o futuro


As dívidas tiram o sono da auxiliar de educação Lindalva de Araújo, 62 anos. “Tenho muitas prestações, principalmente de itens do dia a dia, como roupas e sapatos. Não sei como quitá-las”, lamenta. Em bancos, ela deve 80% mais do que permite a sua capacidade de pagamento. “Já fiz poupança, mas hoje em dia não consigo mais. Acumulei contas e me enrolei.” A história de Lindalva é um retrato da situação de muitas famílias brasileiras. Com a onda de consumismo desencadeada no país, elas não se preparam para o futuro. Ao contrário, contraem cada vez mais dívidas: o número de devedores aumentou 20,7% neste ano.
 
Lindalva teme pelo futuro da neta, Milena, de 11 anos. “As coisas estão cada vez mais caras enão conseguimos guardar dinheiro. E tudo deve piorar com a crise internacional”, prevê. Paradriblar a situação, ela pretende consumir menos. “Já estou pisando no freio para equilibrar as finanças”, revela. Os especialistas explicam que, durante anos, o consumidor enfrentou muita dificuldade para organizar as contas pessoais. Nos anos 1980, com a inflação pesando no bolso, era complicado criar uma reserva monetária. Mas os tempos são outros. A estabilidade gerada pelo Plano Real dissipou incertezas e as perspectivas econômicas são mais positivas. Poupar tornou-se mais fácil.

Mas, depois de décadas de consumo reprimido, os brasileiros foram às compras. E, mesmo com as necessidades satisfeitas, continuam comprando — priorizam o presente em vez de garantir oconforto a longo prazo. “O brasileiro não é diferente, ele se tornou diferente. Até os anos 1950,era maior o número de pessoas que tinham o hábito de guardar uma parte do salário. Mas, depois, tivemos três gerações que, simplesmente, não conseguiam poupar, porque a economia nacional não permitia”, lembra Jurandir Sell Macedo, planejador financeiro e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Nesse contexto, o consumidor brasileiro não se preocupa em comprometer seu salário com prestações. “Quase 30% das famílias estão vivendo acima do que podem e empobrecendo porque gastam tudo o que recebem, sem critério”, explica o planejador de finanças familiares Augusto Sabóia.
  
Para o economista Luiz Carlos Ewald, o hábito do brasileiro de não poupar precisa ser mudado. “Temos uma poupança agregada muito baixa em comparação com outros países. Por outro lado, há um processo de expansão dos temas envolvendo educação financeira. Percebemos que vários segmentos da economia estão preocupados com essa situação”, explica.

O gerente de educação para investidores do Itaú Unibanco, Martin Iglesias, observa que é fundamental buscar equilíbrio entre gastos e reservas. “Procurar um meio termo, utilizando odinheiro de forma consciente, é o que cada pessoa deve fazer, levando em conta seuorçamento”, afirma. “E não há receita para isso, tem pessoas que consideram o futuro mais importante do que o presente, enquanto outras querem tudo agora. Mas não importa o perfil, é fundamental dar atenção aos dois pontos”, diz.

Mesmo desempregada, Maria de Fátima Silva, 58 anos, é uma exceção entre os brasileiros. Ela não deixa que as contas se acumulem. “Se não tenho dinheiro, não compro. Se tenho pouco, junto.” A matriarca admite que o orçamento é apertado, mas diz que reservar R$ 50 por mês para emergências não pesa tanto. “É pouco, mas dá para economizar. Tenho poupança desde sempre”, comemora.

O método de Maria serve para toda a família. Sua filha, a auxiliar administrativa Janaína Silva Aguiar, 33 anos, aprendeu a poupar com a mãe. “Não tenho cartão de crédito. Por isso, nem cogito parcelar o que compro. Tenho consciência de que posso me endividar”, justifica. Os imprevistos motivaram a educação financeira dos Silva. “Não podemos contar com o dia de amanhã. Minha maior preocupação é com a saúde. O governo não nos oferece bons tratamentos,então, antes que algo aconteça, é bom estar prevenido”, salienta Maria. Atualmente, com a iminência de crise, a família se preocupa ainda mais com o futuro do país. “Agora, é o momentode poupar. Os preços estão subindo muito e tenho medo do que pode acontecer. Principalmente com o que está acontecendo com a economia internacional.”
  
Situação parecida vive o maître Jisélio Sena, 32 anos. Ele aplica na poupança há 11 anos e frisa a importância da reserva financeira. “Posso passar dificuldades lá na frente e preciso ter uma quantia para emergências.” Por mês, 10% de seu salário é destinado ao fundo. “Gostaria quefosse mais, só que ainda é difícil guardar mais. São muitos gastos”, reclama. Sena reconhece quemuitas despesas são desnecessárias. “Ainda compro muitos supérfluos, que poderiam ser cortados, mas não consigo deixá-los de lado. Valeria a pena até diminuir as idas a bares erestaurantes para poupar mais”, afirma.

A condição financeira alcançada pelas famílias Silva e Sena, entretanto, é rara, que o diga o servidor público Zacarias Pereira do Nascimento, 57 anos. “Não temos outra opção, senão parcelar. Não teria como comprar um carro à vista, por exemplo. E não dá para esperar para ter a quantia toda. Assim, fica difícil guardar dinheiro”, argumenta. Do seu ponto de vista, com a largaoferta de crédito, o brasileiro se sente confortável para comprar. “Não abro mão de viajar todo ano e, mesmo com prestações a pagar, acho que consigo manter esse padrão. Por enquanto, penso que sim”, opina.
  
Sinara Polycarpo, superintendente de investimentos do Santander, explica que a classe C, que representa a maior parte da população, aplica pouco em comparação com os grupos de maior renda. “Entre os perfis de investidores, predominam as faixas A e B. A classe média realmenteprecisa aprender a poupar”, observa. Para a especialista, a tendência é que esse cenário mudeem alguns anos. “O brasileiro sempre será mais consumista que o oriental, até pela cultura. Só que a consciência do comprador deve ser modificada. O conceito só será transformado quando ele perceber que, mesmo em um bom momento, é importante pensar no futuro”, destaca.



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